Adolpho Bloch é Manchete na Cabuçu
Recordando Carnavais…
Minha vida é um carnaval
Em 1922, morávamos na Aldeia Campista, no Rio de Janeiro. Éramos uma família de 11 pessoas recém-chegadas da terceira classe do navio italiano Re d’Italia. As minhas irmãs, que eram grã-finas, desciam de guindaste para nosso camarote. Meses depois, descobrimos o carnaval, com as batalhas de confete do Boulevard 28 de Setembro, da Rua Dona Zulmira e Praça Saens Peña. Cadeiras na calçada, luzes, as famílias oferecendo croquetes e empadinhas a todos: era uma festa para os olhos, o estômago e o coração. Ficamos encantados com tanta alegria e felicidade. Era a grande festa do povo. As finanças, como sempre, andavam escassas. Mas não faltou o necessário para comprar lança-perfume Colombina para minhas irmãs e serpentina para todos. Eram as armas da batalha. Nesse primeiro carnaval, cantamos O Pé de Anjo e fizemos o corso de bonde. O motorneiro, com seu bigode caprichado, a todo momento puxava o seu patek cebola, para cumprir a pontualidade canadense. Mas a figura principal era a do condutor, com seus bigodes retorcidos, com a mão cheia de níqueis, sacudindo-os para chamar a atenção. A campainha não parava de tocar nas mãos dos foliões. Na parte da frente, como praxe, vinha um grupo fantasiado de bebê chorão, com a chupeta na boca. O carnaval me deu o sentido da brasilidade.
Naquele tempo, predominavam as máscaras. Alguns se cobriam com um lençol branco, faziam dois buracos na altura do rosto e colocavam um cinto. O diálogo, em voz de falsete, era assim:
– Você me conhece?
– Conheço do outro carnaval.
Arranjei muitas namoradas assim.
A vida era barata, nós éramos fregueses de caderno e não havia correção monetária. Pagava-se como podia e quando Deus queria. Já com a pequena renda de uma gráfica, juntávamos dinheiro para comprar as passagens que nos levassem aos Estados Unidos. No fim daquele ano, passando pelo Mestre-Blatgé, vi um forde-de-bigode que me fascinou. Não resisti e comprei o carro aberto para tomar parte no carnaval. E foi assim que assinei meus primeiros 30 papagaios de 20 mil-réis cada um, dando como entrada os 300 mil-réis das economias que comprariam as passagens de navio. Sessenta e nove anos depois, continuo assinando os mesmos papagaios, só que com mais zeros à direita. No carnaval de 1923, nosso forde-de-bigode fez sucesso em todos os corsos. Havia fartura de confete e serpentina, de colombinas, pierrôs e arlequins.
Nesses anos de carnaval, assisti a muita coisa. Os bailes predominarem sobre a festa de rua. O Bloco Café Cascatinha ser substituído pela Banda de Ipanema. As escolas de samba tomarem o lugar das batalhas de confete e dos desfiles ds grandes sociedades: Democráticos, Tenentes do Diabo, Pierrôs das Cavernas, Fenianos. Eu ia às vezes à sede dos Democráticos à Rua do Riachuelo. Mas a minha maior emoção foi virar, este ano, samba-enredo da Unidos do Cabuçu.
Meus amigos, foi uma forte emoção atravessar a Passarela do Samba vendo a quarta geração da família Bloch – brasileira nata – me acompanhando. Vi, também, junto comigo, os rostos alegres dos meus amigos. No último carro, eu e Anna, felizes da vida, retribuindo a vibração e aplausos do público que se levantava nas arquibancadas e cantava com a gente o Aconteceu, Virou Manchete.
Na grande ópera de rua, eu vivi um momento importante de minha vida, que não poderei esquecer. Obrigado, meus amigos. Obrigado, Cabuçu. Obrigado, carnaval.
Adolpho Bloch
Adolpho Bloch escreve Minha vida é um carnaval – texto transcrito na íntegra. Revista Manchete nº 2.028, Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1991, Página 34
Vamos voltar 30 anos no tempo para recordarmos o carnaval de 1991 da Unidos do Cabuçu que trouxe Adolpho Bloch e a TV Manchete à avenida.
Por Marcos Couto
SOCIEDADE ESPORTIVA RECREATIVA ESCOLA DE SAMBA UNIDOS DO CABUÇU
Carnaval de 1991
Enredo: ACONTECEU, VIROU MANCHETE
Resultado: 4ª Colocada do Grupo A (2ª divisão) da AESCRJ com 98 pontos
Data e Local e Ordem do Desfile: 9ª Escola de Samba a desfilar no Grupo de Acesso A em 09/02/1991, Sábado, Marquês de Sapucaí, Rio de Janeiro, RJ
Quadra da Escola: Rua Araújo Leitão, Lins
Autor do Enredo: Paulo Afonso de Lima
Carnavalesco: Paulo Afonso de Lima
Presidente Administrativo: Therezinha Monte de Almeida Coelho
Vice-Presidente: Sebastião Fernandes da Costa Filho “Mestre Tião da Coquinha”
Presidente de Honra: Alcebíades Sena de Souza
1º Casal de MS e PB: Edmar de Araújo e Poly Gomes
Mestre de Bateria: Miguel Silva de Oliveira
Rainha de Bateria: Glaucilene dos Santos Silva
Madrinha de Bateria: Andréa dos Anjos
Assessoria de Imprensa: Cristina Miguez
Contingente 3.600 Componentes, 33 Alas, 8 Alegorias
Destaques: Adolpho Bloch, Anna Bents, Guilherme Karan, Ângela Leal, Rosamaria Murtinho, Tamara Taxman
Samba-Enredo
Autores do Samba-Enredo: Ney do Cabuçu, Jadir, Carlinhos Madureira e Roberto Gamação
Intérprete: Di Miguel
Aconteceu, virou Manchete por aí / É a Cabuçu que homenageia
O menino de Kiev na Sapucaí / Vindo lá da Rússia tão distante
Trazido pelos mares do Senhor dos Navegantes
Com saúde de riqueza um pilão / A vida só é vivida com amor no coração
Shalon, shalon, Chagall / Foi consagrado na pintura mundial
Quantas saudades de pierrôs e colombinas / Nas batalhas de confetes
Era um colorido genial / Na Praça Onze a alegria era geral
No velho bonde se fazia o Carnaval
Oh senhor Adolpho Bloch / Ainda ajuda a cultura nacional
Com a imprensa, falada e televisada / Mostra os costumes desta terra tão amada
Brasil de JK / Reverencia o homem que veio de lá
Anastácia, Corpo Santo e Kananga do Japão
A bela imagem do Pantanal / Fascina o povo com seu lindo visual
Canal do YouTube Thiago Tapajós – Unidos do Cabuçu 1991 – Manchete
Canal do YouTube Cantora Sueli Gushi – 0 Pé de Anjo
Fontes:
Samba na Intendente
Revista Manchete nº 2.028, Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1991
Galeria do Samba
Sambario
Academia do Samba
Jornal O Globo
Fotos:
Revista Manchete 1991
Sambario – Marcelo de Abreu Barbosa