G. R. B. C. Grilo de Bangu 🦗
Carnaval 2024
Enredo: Agbara Ti Oro
Apresentação
O Grilo de Bangu contará o enredo “Agbara Ti Oro”, inspirado em um itan que retrata a consagração do grande sábio ioruba Orunmilá.
Oralmente transmitida, esta história, se dá a partir de um teste a ele aplicado por Obatalá, que após a realização, lhe concede o título de Senhor dos Segredos de Ifá.
Orunmilá é a divindade que foi escolhida por Olórun para guardar os segredos do oráculo de Ifá. Segundo a mitologia iorubá, ele pertencia ao Panteão africano das divindades celestiais, orixás funfun, viviam no orun e era o grande sábio.
É ele quem conhece o passado, o presente e o futuro de todos os habitantes da Terra e do Céu.
A filosofia de Orunmilá é uma forma de compreensão da existência humana, sua ancestralidade, desde sua chegada ao plano físico, sua passagem pelo plano, até o seu retorno ao Orun (plano espiritual) através do oráculo.
Adriano Soares
Sinopse
Contam os mais velhos que, Olórun o Deus Supremo, ordenou seu filho Obatalá que escolhesse dentre os funfuns, um guardião para cuidar do oráculo de Ifá. Fora recomendado que o escolhido tivesse sabedoria para orientar, segundo o oráculo.
O Senhor do Pano Branco então convida Orunmilá para provar sua sabedoria, ordenando–lhe o preparo de uma iguaria:
– “Orunmilá, traga-me a melhor comida do mundo!”
Aceitando o desafio, Orunmilá seguiu para cozinha, colocou fogo na madeira, água na panela; do touro trouxe a língua e da plantação o inhame. Preparou a iguaria com raízes e flores e quando pronta levou a Obatalá.
Depois de saborear a melhor comida do mundo, comemorou alegremente, mas antes que Orunmilá agradecesse pediu que preparasse a pior comida do mundo.
– “Orunmilá, traga-me a pior comida do mundo!”
Orunmilá retornou a cozinha e, sem demorar, voltou com um prato de língua de touro com inhame.
Obatalá olhou a iguaria espantado, pensativo: “como pode o mesmo prato ser o melhor e o pior?”
Após provar da iguaria comprovou que Orunmilá havia acertado.
A mensagem do grande sábio era clara.
“- Ahọ́n ń súre! Ahọ́n ń bú!”
“- A língua abençoa! A língua amaldiçoa!”
Ele tinha sabedoria para cuidar dos segredos de ifá, e assim, o consagrou “O Senhor dos Segredos de Ifá”.
As opiniões diversas sobre o mesmo prato indicam que a vida é uma experiência complexa, os acontecimentos não possuem um valor absoluto.
Ao som dos tambores, com a benção de Olórun e a sabedoria de Orunmilá o Grilo de Bangu entoa Agbara Ti Oro!
Adriano Soares
Defesa (Justificativa)
O enredo Agbara Ti Oro retratará a consagração do grande sábio iorubá Orunmilá, a partir de um itan oralmente transmitido por diversas sociedades iorubás-nagôs.
Orunmilá é a divindade que foi escolhida por Olórun para guardar os segredos do oráculo de Ifá. Segundo a mitologia iorubá, ele pertencia ao Panteão africano das divindades celestiais, orixás funfuns, viviam no orun e era o grande sábio.
Era ele quem orientava a todos os orixás, por determinação de Olórun, a tudo que se precisasse fazer. Foi escolhido por Olodumaré através de seu filho Obatalá como o Senhor dos Segredos de Ifá, após o preparo da iguaria que o consagrou.
Orientou e testemunhou os irmãos Obatalá e Odùduwá na criação do mundo físico e na criação dos seres vivos. Responsável por difundir toda a sabedoria através do oráculo ao novo mundo.
É ele quem conhece o passado, o presente e o futuro de todos os habitantes da Terra e do Céu.
O oráculo de ifá compreende um sistema divinatório matemático composto por dezesseis (16) odus, que através de arranjos e combinações alcançam duzentos e cinquenta (256) e seis possibilidades.
Essas possibilidades são transmitidas através de itans, que são parábolas que trazem uma mensagem de acordo com cada signo/odu.
Odus são signos que representam o destino de cada ser humano em sua passagem no plano físico; e é definido no momento em que o ori é escolhido para compor a matéria humana.
Esse sistema é capaz de determinar por meio de uma compreensão cartográfica os caminhos existentes e a maneira como os orixás e as pessoas transitam por eles, ao testemunhar a criação de todos os seres humanos, Orunmilá conhece todos os destinos.
Isso parte da teoria de que para cada ori (cabeça) escolhido há um odu que será responsável por toda a trajetória de vida de uma pessoa até o seu retorno ao orun.
Os oris são compreendidos conforme os signos presentes em cada um de seus quatro lados, ojuori, icoco ori, otum e ossi. A partir da avaliação de acordo com os arranjos e combinações apresentadas pelo oráculo, é descoberto o odu de cada um.
Quando foi criado o mundo material, segundo a mitologia iorubá, Orunmilá ficou encarregado de formar dentre os humanos, os sacerdotes que recebem o título de Babalawós. Este sacerdócio é restrito somente aos homens, as mulheres não participam.
No culto Ifá-Orunmilá as mulheres, no caso as mães dos babalawós ou as esposas, são encarregadas de cuidar dos utensílios e da preparação da comida dos sacerdotes, recebendo o título de Iyapetebi. Isso por conta de Oxum ter sido esposa de Orunmilá.
Oxum foi encarregada de preparar o primeiro babalorixá dentre os humanos, para que o culto aos orixás fosse estabelecido como religião, assim determinado por Olórun. E para Ela, Exú criou um novo oráculo, inspirado no oráculo de ifá, para que os sacerdotes pudessem se orientar no culto aos orixás.
Orunmilá tem como cores o verde, que representando toda a vegetação viva, o ar fresco, o oxigênio que sustenta a vida, o nascimento, a natureza e tudo que provém dela.
E o amarelo que representa Oxum, e é também a cor das folhas quando mortas, representando o fim como princípio básico da vida, a ancestralidade, o sol com equilíbrio entre o quente e o fresco, o ouro como riqueza e a morte, já que nada é para sempre.
As cores unidas no Idefá, pulseira religiosa, rememoram a união entre a semente e a terra representada por Orunmilá e Oxum, o princípio vital de uma descendência através da procriação.
Suas ferramentas constituem objetos sagrados para a consulta do oráculo.
Seu receptáculo são duas metades de uma cabaça, que representam o céu e a terra, um Opon Ifá (tabuleiro de cedro), os dezesseis (16) Ikins (caroços de dendezeiro), um Otá (pedra sagrada), um Irofá (chifre de animal talhado), um Iruke (rabo de cavalo), um Epkuelé (Opelé de Ifá- rosário), o Yefá (pó de axé de Orunmilá), um Idé, um Eleké (colar de Ifá) e um colar de Mazo de Orunmilá.
De acordo com a mitologia iorubá, somente Orunmilá e Elegbara (Exu) se comunicam diretamente com Olórun, e é Exu quem traz a mensagem, quem fala através do oráculo.
Uma incursão sobre a narrativa do itan pode lançar luz sob aspectos que podem parecer herméticos à primeira vista.
Por que o uso da língua de touro? Por que o inhame?
Em contexto iorubá e de muitos povos tradicionais africanos, o touro é um animal que quando abatido é completamente usado. O chifre e ossos para confeccionar instrumentos, todas as partes do corpo para alimentação, o couro para produção de roupas e calçados, o sangue para rituais e usos de adubo. Em outras palavras, o touro pode ser considerado o que garante a vida, ou ainda, toda a realidade. O inhame é um resultado da plantação, de trabalho de arar e semear a terra.
A agricultura é uma dimensão fundamental da vida humana, sem plantar e colher as condições de existir seria facilmente suprimida. Remetendo a ideia de cultivo, cuidado para fazer surgir, em certa medida, cultura (do inhame).
Por outro lado, a língua do touro aponta nitidamente para idéia de linguagem, um signo entendido como maneira fundamental de relação com a realidade e cultivo das condições de manutenção da vida.
O touro é signo da totalidade da realidade, o inhame funciona como signo do cultivo.
A linguagem é um modo de instalar realidade e cultivar modos de vida, é um modo de relação com o mundo a partir de nossas maneiras de ser e experimentar a vida. Ela nos permite estabelecer tanto modos singulares, quanto maneiras gerais e impessoais com o mundo. Não está restrita aos modos verbais e não-verbais de conversação.
Dentre diversas maneiras de interpretar o itan (história), a língua de touro significa palavra.
A palavra tem um poder incrível!
Conforme Hampaté Bâ, ela “pode criar paz, assim como destruí-la”.
Através da linguagem podemos incitar a paz ou a guerra.
Ela consagra, agradece e reclama suavemente propondo um caminho; mas, também amaldiçoa e reclama sem dar solução.
É um modo de imprimir realidades. Por essa razão, a iguaria (língua de touro com inhame) pode ser um ótimo prato ou uma péssima comida.
Falar de Orunmilá vai além de retratar uma divindade africana; é refletir sobre costumes e comportamentos; é reafirmar uma cultura que precede todas as outras culturas a nós apresentadas; é enaltecer um mito africano que antecede a todos os outros mitos difundidos no ocidente; é exaltar a importância das culturas iorubás-nagôs.
Pesquisa e Texto: Adriano Soares
Referências Bibliográficas
OLUWOLE, Sophie. Socrates and Orunmila: Two Patron Saint of classical Philosophy. 3ª ed. Lagos: Ark Publishers, 2017.
KARENGA, Maulana. Odu Ifa: the etical teachings. Los Angeles: University Sankore Press, 1999.
ABIMBOLA, Wande – Ifá, an Exposition of Ifá Literary Corpus, Oxford University Press, Ibadan, 1976.
ADILSON DE OXALÁ. Igbadu, a cabaça da existência: mitos nagôs revelados. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.
ORÁCULO DO RISCO DA SEMENTE – Os instrumentos divinatórios de IFÁ na manutenção da memória coletiva afrodescendente.
Tese (doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Memória Social – CCH – UNIRIO – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2019.
Glossário
Aye – a terra, o solo, mundo físico.
Babalawó – sacerdote do culto de ifá.
Elegbara – um dos títulos de exu, o senhor dos caminhos.
Eleké – colar de ifá.
Epkuelé – opelé de ifá (rosário).
Èléri Ípìn – aquele que testemunhou a criação.
Exu – o senhor dos caminhos.
Funfun – orixá do branco.
Idé – pulseira de metal.
Idefá – pulseira religiosa utilizada pelos praticantes do culto de ifá.
Ifá – sistema divinatório, oráculo.
Ikins – caroços de dendezeiro.
Irofá – chifre de animal talhado.
Iruke – rabo de cavalo.
Iyapetebi – título dado as esposas ou as mães dos babalawós.
Itan – mensagem, parábola.
Obatalá – primeiro filho de Olórun.
Odu – signo do oráculo de ifá.
Odùduwá – divindade primordial na criação da Terra.
Olórun /Olodumaré – deus supremo, o grande criador.
Opon Ifá – tabuleiro de madeira utilizado para consulta ao oráculo.
Ori- cabeça.
Orun – plano espiritual.
Orunmilá – orixá guardião dos segredos de ifá.
Otá – pedra sagrada do orixá.
Yefá – pó de axé de Orunmilá.