O Velho Lua foi o enredo da Unidos de Lucas em 1982
A Unidos de Lucas homenageou o Rei do Baião Luiz Gonzaga no Carnaval de 1982 no enredo “Lua Viajante” de autoria de Carlos D’Andrade e desenvolvido pelos carnavalescos Carlinhos e Roberto Costa.
O sanfoneiro de Exu/PE desfilou na comissão de frente da escola de chapéu de couro e gibão.
Outro destaque importante da agremiação que pertencia ao segundo grupo foi seu belo samba-enredo que ganhou o prêmio Estandarte de Ouro do Jornal O Globo de melhor samba do grupo de acesso.
O samba é de autoria de Zeca Melodia, Dagoberto de Lucas e Dona Gertrudes. O intérprete foi Abílio Martins e o destaque da gravação de Lua Viajante foi a participação do próprio Luiz Gonzaga que à medida que a letra ia sendo cantada ele a aprovava dizendo “é isso”, “tá certo”, “é verdade”. E no final da gravação canta o refrão da música acompanhado da sua vibrante sanfona. Uma beleza de samba, tanto na letra quanto na melodia!
INTRODUÇÃO
Foi num treze de dezembro que tudo começou.
Santana sentiu as dores.
Januário acordou:
– “É, tenho que ir correndo…”
E foi buscar a parteira. Mergulhou na madrugada em que a estrela Dalva começava a brilhar. Um ventinho rasteiro vinha das bandas do rio. Uma “zelação” riscou o céu. Januário parou, benzeu-se e ficou à escuta. Sabia o mar distante, não de que lado, mas “zelação” cai sempre no mar. E o barulho devia ser ouvido. Mas não veio nada. Balbuciou, assim mesmo, a oração que lhe haviam ensinado:
– “Deus te salva, zelação,
Deus te leve para o mar
Pra terra não se acabar.”
O risco persistiu alguns minutos no céu. Veio-lhe, então, um pensamento:
– “Bom sinal pro menino (tinha de ser um menino) que ia chegar.”
Não sabia direito o que pensar. Mas tinha certeza de ser coisa boa, pois era uma estrela de luz. E deveria chamar-se LUIZ, nome que lembraria aquela “zelação” a riscar o céu e a santa daquele dia.
E foi um menino.
No dia do batizado…
– Nome do menino?
– Luiz, seu Vigário.
Os olhos do vigário permaneceram parados, esperando. Vendo que não adiantava nada, inquiriu, paciente:
– Luiz de quê?
– Luiz Januário, tá bom?
– Tá bom não. Já que é Luiz, vamos completar o nome do santo padroeiro, São Luiz Gonzaga, da nossa devoção. Em que dia nasceu?
– No dia da Senhora Santa Luzia…
– Ahn! No mês do nascimento… Que tal LUIZ GONZAGA DO NASCIMENTO? Estamos no mês do Nascimento e é um nome bonito para um menino tão forte… LUIZ GONZAGA DO NASCIMENTO, pra ter sorte, tá bom?
– É, padrinho Vigário quer…
E o próprio LUIZ GONZAGA DO NASCIMENTO, um dia falou:
– “Batizei-me, assim, com aquele nome que não tinha nada de meus pais. LUIZ, por causa da “zelação” que cortara o céu e, também, por causa da santa; GONZADA, por causa da devoção do senhor Vigário; e NASCIMENTO porque naquele mês nascera Cristo. E não foi mal o nome. Levo esse Gonzaga, de que sou o único portador em minha família, como uma benção de Deus, como uma sugestão de sorte prevista naquela tarde na igreja do Exu. E não me julgo pouco favorecido pelo destino. Sou mesmo um cabra de sorte. Tive lutas, dificuldades na vida. Enfrentei incompreensões, invejas, sofrimentos. Mas venci, graças a Deus, pois me sinto inteiramente realizado.”
ABRE-ALAS
“Quando eu votei lá do sertão
Eu quis mangá de Januário
Cum meu fole prateado
Só de baixo cento e vinte
Botão preto bem juntinho
Cumo nego impariado
Mas antes de fazê bunito
De passage por Granito
Foram logo me dizendo
De Taboca e Rancharia
De Salgueiro e Bodocó
Januário é o maió!
E foi aí que me falô
Meio zangado o véio Jacó:
– Luiz! … respeite Januário
– Luiz! … respeite Januário
– Luiz!
Tu pode ser famoso
Mas teu pai é mais tinhoso
E cum ele ninguém vai, Luiz!
– Luiz!
Respeita os oito baixo do teu pai.”
E Januário – pai de Luiz – também era de fole.
E Luiz – filho de Januário – sempre o respeitou.
Assim, o GRESUL abre o seu Carnaval de 1982:
RESPEITANDO JANUÁRIO
“EU VOU MOSTRAR PRA VOCÊS”
“LUA VIAJANTE”
A Comissão de Frente retratará um sonho de Luiz, quando ainda era menino:
– “Sonhava, num quase delírio, com uma noite de glória, com um terno novo de brim, alparcatas pelas ruas, para que me vissem bem trajado, com a sanfona nova dependurada no pescoço, todo mundo admirado. E ganharia fama. Seria chamado pra outros lugares, até para o Crato.”
SAMBA-ENREDO
Autores: Dagoberto de Lucas, José de Souza “Zeca Melodia” e Dona Gertrudes Virgens “D. Gertrudes”
Puxador: Abílio Martins
Cantor de Apoio: Teteu
Vale um tesouro / O que fez por merecer
Hoje a vermelho e ouro / Vem cantando pra você
Somente as dádivas do céu / Poderiam ofertar tanta grandeza
Àquela terra iluminada pela própria natureza
Em Exu, madrugada linda!
O vento soprou pro mar / Ao ver Zelação passar / Januário delirou (ô delirou)
Rogando uma boa sorte / Pr’um cabra-macho do norte
O Sanfoneiro e cantador
Vindo de uma terra quente / Onde viveu Lampião / Foi no Rio de Janeiro
Que o famoso sanfoneiro / Tornou-se rei do baião / Com seu fole prateado
Quando voltou ao sertão / Lá no seu pé de serra / Onde deixou seu coração
Já cantava “Asa Branca” / Assum Preto, mula preta / Como se dança o baião
Alô Luiz… / Luiz, respeita Januário / Respeita os “oito baixos” do seu pai
A escola terminou na 5ª colocação do Grupo 1B realizando um bom desfile, tendo como ponto alto o seu samba-enredo, considerado um dos melhores da agremiação de todos os tempos.
Sobre o Carnaval do Galo de Ouro da Leopoldina de 1982 escreveu o professor e historiador, compositor e escritor Luiz Antonio Simas em 05/01/2007:
“Ando aluado de tantas luas. Deve ser porque vi, numa Marquês de Sapucaí iluminada, nas lonjuras de 1987, a Unidos de Vila Isabel cantar os amores entre a lua e o sol e o nascimento das estações do ano – num belo samba sem rimas do Martinho – segundo a tradição dos índios Urubu-Kaapó. Belezura que foi aquele mar azul e branco de cocares, só quem viu.
Vi também, meninote de calças curtas, nas saudades dos meus quatorze anos, o desfile magnífico da Unidos de Lucas (numa Marquês de Sapucaí deserta – era desfile do grupo 2) em homenagem ao velho Luiz Gonzaga. O samba-enredo, do qual não esqueci até hoje nenhum trecho, entra na minha lista dos dez maiores. Chama-se Lua Viajante. Reparem que letra magnífica e vejam se não é de aluar.
Senhoras e senhores, puta-que-pariu, pato não bota ovo, puta-que-pariu de novo. Foi bonito até dizer chega! O velho Luiz Gonzaga desfilou, de gibão majestoso, sanfona branca e chapéu de cangaceiro. Ali, naquele momento, que me desculpe a lua nova que banhava a Guanabara, a lua grande tava era no asfalto, na pele curtida de sol do mestre sanfoneiro do Araripe.
É por isso, amigos meus, que aluado de carnavais, luas e Lua, às margens do rio Maracanã, vou acender uma vela inusitada no meu altar da pátria, zelando pelo encantamento do meu mundo.
A vela de hoje vai pra quem eu não conheço nem os nomes. Vai pros compositores do samba da Unidos de Lucas, obscuros e magníficos personagens da minha vida, provavelmente cariocas, possivelmente gente do povo. Onde eles estiverem que as luas levem, nas asas do vento, o recado de que eles proporcionaram, ao menino de quatorze anos, um momento de encantamento do mundo que, ainda hoje, insiste em ecoar no coração do adulto em todas as fases da lua. Obrigado. Axé!”
A Unidos de Lucas reeditou Lua Viajante no Carnaval de 2006.
Por Marcos Guerra Couto
Fontes:
Arquivo Nacional
Texto Luiz Gonzaga é Cem: Homenagem da Unidos de Lucas por Abílio Neto, Abreu e Lima, PE de 21/01/2012
Unidos de Lucas 1982 Luiz Gonzaga Reportagem Rara – Vídeo postado no Canal do Youtube TR – Sambas de Enredo
Unidos de Lucas 1982 Luiz Gonzaga Desfile (Trecho) – Vídeo postado no Canal do Youtube TR – Sambas de Enredo